Sua trajetória
histórica
Por: Josemar Lima
Mapa da província do Maranhão - século XIX
No dia 21 de julho de 1870, a Assembleia
Legislativa da Província do Maranhão vota e aprova a Lei nº 919, que eleva a
Vila de Itapecuru-Mirim, fundada em 27 de novembro de 1817, à categoria de
cidade. A Lei foi sancionada pelo vice-presidente da Província, José da Silva
Maia.
Na linha de tempo da formação do
atual município de Itapecuru Mirim identificam-se, entre outros, dois elementos
que estão umbilicalmente associados à formação do seu patrimônio humano, histórico,
cultural e ambiental – o Rio Itapecuru e a Estrada de Ferro São Luís Teresina.
Foi às margens do Rio Itapecuru, cujo
desenho inicial a natureza começou a esboçar há mais de 300 milhões de anos,
que se instalaram os primeiros seres humanos chegados à região e, no nosso
caso, os povos posteriormente denominados índios, possivelmente vindos da foz
do Rio Amazonas, mas precisamente da região do Arquipélago do Marajó e que aqui
foram se organizando em aldeias e ganhando denominações como Guanarés, Tapuias
Uritis, Barbados e outros.
Esta fase de ocupação indígena, que
remonta há 11 mil anos, ainda existe controvérsias sobre a data exata desse
evento, foi uma etapa muito importante na formação de saberes originários da
relação direta entre o homem e a natureza. Homem, água, terra e floresta se
conhecendo mutuamente e aprendendo, digladiando às vezes e, em muitos outros
casos, salvando uns aos outros. As relações com os animais, conhecimentos dos
peixes, répteis e mariscos, descobrimentos das plantas medicinais e venenosas e
a arte de caminhar seguramente pelas veredas de pedras miúdas.
Depois o grande choque cultural, com
a chegada dos homens brancos, inicialmente os jesuítas buscando almas, braços
escravos para a agricultura e guerreiros, inicialmente mais braços e guerreiros
do que almas, para defesa das causas do colonizador português, formação de
patrimônio econômico e suas guerras com franceses e holandeses. Os choques
foram inevitáveis entre índios e jesuítas contabilizando-se vários massacres de
religiosos aí mesmo nas barracas do rio, mas a morte indiscriminada de índios
em batalhas que não eram suas foi desproporcional, levando à extinção várias
etnias.
Estavam criadas as condições para o
aparecimento das primeiras povoações e elas vieram em decorrência da logística
proporcionada pelo Rio Itapecuru. A povoação denominada “Arraial da Feira” foi
a primeira delas e tinha seu núcleo ali para as bandas do Cemitério dos
Ciganos. Era o lugar preferido para descanso das boiadas e vaqueiros que vinham
de outras regiões do estado, do Piauí e até da Bahia, com destino a São Luís.
Essa povoação tornou-se importante porque se transformou em um vigoroso
entreposto de comercialização de gado bovino e aquisição de víveres e
utensílios, uma verdadeira feira que se expandiu rapidamente.
Os naturalistas alemães Johann
Baptist Von Spix e Carl Friedr Phil vom Martius que realizaram uma expedição em
um Barco a Vapor, tipo Gaiola, pelo Rio Itapecuru, partindo de Caxias/Ma,
em julho de 1819, fazem o seguinte registro ao chegarem a então Vila de
Itapecuru-Mirim:
“Este lugar, antigamente denominado
“Feira”, deve sua origem ao comércio de gado bovino, pois aqui os sertanejos
negociam a venda das boiadas, vindas do Piauí e do interior do Maranhão, em
troca de tudo que precisam.”
A povoação cresceu junto com a
importância econômica que o Rio Itapecuru, a principal estrada do Maranhão à
época, ia ganhando progressivamente e despertando o interesse de empreendedores
e aventureiros portugueses interessados no uso das terras para instalação de
engenhos e produção de açúcar. Um desses visionários foi Bento Maciel Parente,
então Capitão de Estradas, mas que nutria o sonho posteriormente realizado de
governar o Maranhão. Ele solicitou ainda em 1630 que a Capitania Geral do
Maranhão fosse subdividida em quatro.
Uma delas denominou-se Ribeira do
Itapecuru, com o objetivo de fortificar-se contra possíveis invasões
estrangeiras na busca das riquezas que começavam a aflorar na região. E ele
tinha razão, pois os holandeses tentaram tomar pela força bruta a região,
passados alguns anos, inclusive engenhos de alguns de seus parentes.
Começaram, então, as articulações
políticas de vários segmentos sociais e propostas individuais junto ao rei de
Portugal para fundação da Vila de Itapecuru-Mirim, já a partir de meados do ano
de 1751, todas elas não atendidas pela corte portuguesa que optou pela criação
da Freguesia de Itapecuru-Mirim, desmembrando-a da Freguesia de Rosário. Nesse
período, também, ai por volta de 1755, começaram a chegar à região os primeiros
negros africanos escravizados, provenientes da Costa da Mina, atualmente Costa
do Marfim, além de Angola e Moçambique, para incrementar a mão de obra indígena
já em processo de regressão nas lavouras de cana-de-açúcar e algodão.
Foi nesse cadinho efervescente de
culturas, ainda acrescido de irlandeses, açorianos e dos povos do mundo árabe,
principalmente sírios e libaneses, que consolidaram identidade e cultura
itapecuruenses, consequentemente com mais elementos e riquezas que no resto do
estado do Maranhão. E começaram a aparecer, originários das diversas raças e
etnias, verdadeiros ícones nas áreas das ciências, letras, artes, política e
administração pública.
Provisão Régia de 25 de setembro de
1801 criou a Freguesia de Itapecuru-Mirim, vinculando-a as bênçãos de Nossa
Senhora das Dores. Estava também criada a Paróquia que se instalou na Igreja de
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, como vimos na crônica anterior.
A criação da Vila de Itapecuru-Mirim foi uma verdadeira novela que se estendeu por quase cinquenta anos e merece ser destacada para conhecimento do leitor.
A criação da Vila de Itapecuru-Mirim foi uma verdadeira novela que se estendeu por quase cinquenta anos e merece ser destacada para conhecimento do leitor.
A partir de 1751, com o
desenvolvimento vertiginoso da região, começaram as articulações para
transformação da Freguesia de Itapecuru-Mirim em uma Vila. O então governador
da Província do Maranhão Luís Antônio Viera da Silva enviou uma carta à Corte
Portuguesa, endereçada ao rei Dom José, datada de 17 de novembro de 1751, com
um abaixo assinado com 1094 assinaturas solicitando a fundação da Vila,
alegando que assim o governo poderia melhor atender as reivindicações da
comunidade. A solicitação não motivou ações imediatas da Corte Portuguesa. Só
em 25 de agosto de 1768, Dom José fez saber ao governador do Maranhão que os
moradores da Freguesia da Ribeira do Itapecuru lhe pediram em 12 de setembro de
1765, alvará de confirmação da vila.
O Dicionário Histórico-Geográfico da
Província do Maranhão, de autoria de Cesar Marques registra que pela Provisão
Régia de 17 de novembro de 1817, Dom João VI fez saber ao ouvidor da comarca do
Maranhão que José Gonçalves da Silva, fidalgo da Casa Real, estava autorizado a
fundar a Vila de Itapecuru-Mirim, em terras próprias ou doadas pelos moradores
da região.
Verifica-se, então, que o conflito de
interesses era muito grande obrigando o rei de Portugal a ignorar todas as
demandas comunitárias e governamentais a ele endereçadas e conceder autorização
a um particular, apenas pelo posto de fidalgo que possuía, para fundação da
vila.
Cumpridas as recomendações contidas na Provisão Régia, dando conta da presença de trinta casais brancos e da construção das casas destinadas à câmara, cadeia e oficinas, o Procurador do fidalgo, Antônio Gonçalves Machado, em 20 de outubro de 1818, recebeu ordem para fundação da vila.
No ano seguinte, afirma Cesar
Marques, em 20 de novembro de 1818, quando a povoação já contava com 138 casas
e uma população de 767 indivíduos, na Praça da Cruz, com presença de
autoridades e do povo local, leu-se em voz alta e inteligível o inteiro teor da
Provisão Régia de 27 de novembro de 1817, expedida em consequência do Decreto
de 14 de junho do dito ano, e despacho da Mesa de Desembargo do Paço de 17 de
julho e 24 de novembro do mesmo ano, determinando a criação da Vila de
Itapecuru-Mirim. Um parto que durou quarenta e nove anos povoados por vários
fatos históricos importantes para a região e para o estado do Maranhão e no seu
período de Vila testemunhou e teve papel relevante nas lutas pela Independência
do Brasil e na Guerra da Balaiada.
Como cidade, a partir de 21 de julho
de 1870, há exatamente 145 anos, o município de Itapecuru Mirim continuou a sua
trajetória, pontuada por conquistas e superações, mas, também, foi marcada por
retrocessos históricos nas áreas sociais, cultural, ambiental e
político-administrativa, que não são condizentes com toda a potencialidade do
patrimônio humano, histórico, cultural e ambiental que herdou e gerou.
Esses apagões, quase todos são
originários da incapacidade, miopia histórica, desconhecimento e falta de
sensibilidade de grande parte dos gestores públicos em aproveitar toda essa
mina de conhecimentos e exemplos dignos deixados por nossos ilustres ancestrais
e incorporar ao processo de desenvolvimento do município.
Há, entretanto, interstícios de
júbilo e grandeza em todas essas áreas, infelizmente em raros e eventuais
momentos, pela força de seu capital humano que, de quando em quando, faz
aflorar um tesouro e enche de orgulho e esperança todos nós descendentes dessa
saga construída por homens e mulheres com identidade e cultura que os tornam
diferentes, fortes para as lutas e dóceis para as artes.